Sunday, December 25, 2011

Breve História II - Conto de natal


Era Natal. Ou pelo menos assim o ditava o calendário. Mas há vários anos que não se celebrava o Natal, pois todos os dias eram iguais, apenas um contínuo de tempo.

Idiotas. Palermas. A culpa é toda vossa! Eram os pensamentos que se ouviam na rede. Os culpados já não se davam ao trabalho de responder. Não tiveram culpa, tentaram explicar, em vão milhares de vezes. Como poderíamos saber?

Como poderiam saber? Era óbvio. Grandes palermas. Durante anos a humanidade aprendeu a tirar proveito da natureza. Aprenderam a controlar, a construir, a usar e abusar de todos os recursos que dispunha. Esta espécie distinguiu-se de todas as outras. Auto-intitulou-se de dominante. Todas as restantes eram utilizadas como marionetas ao sabor dos seus caprichos. Usadas como comida, força motora, cobaias e até mesmo para entretenimento. Os tempos eram de fartura, de grandiosidade. Ou foram. Aqueles palermas.

Os avanços tecnológicos permitiram-lhes aprender sobre a vastidão daquilo que os rodeava. Estariam sozinhos? Questionavam. Bem, quase todos questionavam de facto. Mas apenas alguns se dedicaram a lançar sinais em busca de outras civilizações avançadas por esse universo fora. Imbecis. Ainda não controlavam o espaço. Qualquer civilização que viesse em busca do sinal seria certamente mais avançada que eles. 

Como foram tão cegos? Não era óbvio? Qualquer espécie avançada os consideraria inferiores, e os utilizariam da mesma forma que eles mesmos faziam com as outras espécies com quem co-habitavam. Agora era tarde. Chegaram. Não disseram olá. Não chamaram pelo nosso líder. Não perderam tempo. Começaram o processo de imediato.

A capacidade de resolver problemas é a chave para o avanço de qualquer civilização. Desde pequenos engenhos até poderosas máquinas, o poder de computação era cada vez maior e também mais ambicionado. O avanço tecnológico dos nossos conquistadores foi tanto, que rapidamente se aperceberam que nenhum dispositivo criado artificialmente tinha a mesma capacidade de processar e armazenar informação como um cérebro que evoluíra durante milhões de anos na natureza.

Agora, armazenados de forma compacta, ligados a máquinas que nos mantinham vivos com o mínimo de recursos, fazíamos parte da rede. Curioso, tinham já imaginado cenários assim. Cenários onde as suas máquinas se revoltavam contra eles e os escravizavam. Alguns, mais radicais, chegavam mesmo a revoltar-se contra o progresso tecnológico, a fim de evitar tal cenário. Mas não chegaram a criar máquinas mais inteligentes que eles próprios. Nem seriam capazes de o fazer. Uma inteligência superior, viria sempre da natureza.

A função da rede era simples. Os problemas a resolver eram codificados e distribuidos pela rede de forma a serem interpretados como estímulos sensoriais, os quais cada cérebro processava automaticamente. As respostas eram descodificadas e enviadas de volta. Era como se todos os cérebros se tivessem juntado num só super-cérebro. Esta ligação entre todos, não só tornava o poder de computação extremamente eficiente, mas tinha também por consequência permitir a comunicação entre todos os elementos. Era importante manter todas as mentes estimuladas, mesmo nos breves tempos em que não havia problemas a processar, de forma a não perderem capacidades.

Durante esses breves tempos, tentava-se conversar, partilhar o pouco de cultura que mantíam em memória. Mas a maioria não conseguia resignar-se à situação. Após estes anos continuavam a lançar os mesmos pensamentos. Idiotas. Imbecis. A culpa de tudo isto é vossa! A diferença de línguas tinha deixado de ser problema, todas as culturas tinham já tido tempo para se fundir. Já não havia nacionalidades, raças ou religiões. Eram todos o mesmo.

Feliz natal, ouviu-se num ponto da rede. Quem se lembraria de tal coisa? Feliz natal, voltou a ouvir-se, agora noutro ponto. Feliz natal. Feliz natal. Começava agora a ecoar por toda a rede. Feliz natal. A mensagem propagava-se. A rede entupia. Feliz natal, ouviu-se em uníssono. A rede entupiu por completo e os pedidos externos já não conseguiam entrar. Um único pensamento preencheu toda a rede.
FELIZ NATAL!

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